Dia 53
Fevereiro 22, 2021
Passou a vida toda assim, curvado à terra. Os horários ditava-lhos o sol: acordar antes dele, fazer a sesta às piores horas. Ao fim do dia ia passar outra vez a mão pela terra, descansando-a e prometendo voltar no dia seguinte. Nunca na vida entalou os cobertores a um filho, mas não era capaz de se deitar sem se despedir da terra. Insistia em não usar animais, primeiro, ou máquinas, depois. Nem luvas queria usar, tiravam-lhe a sensibilidade ao toque. Usava sachos, enxadas, e pás, e isso bastava-lhe. Quando a mulher morreu, foi ele abrir-lhe a cova: não fazia sentido ir outro fazê-lo, quando ele sabia como ninguém do que ela gostava. Deixou-a coberta de flores de amendoeira, as únicas que lhe nasciam no terreno. Resistiu sempre à vontade dos filhos de o levar dali, primeiro por causa das costas, depois quando os olhos lhe começaram a falhar. Foram eles, ficou ele, todos os dias revolvendo e esticando a terra.